Opinião
A carta que Charles escreveria hoje ao Duas Caras
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Há mais de 10 anos, quando reinavam incertezas sobre a carreira do rapper moçambicano Duas Caras, um super fã do rapper, Charles, decidiu enviar uma carta para expressar a sua insatisfação com a situação
Trata-se de uma carta escrita em tempos longínquos, quando as redes sociais ainda eram novidade, tanto que a mensagem foi enviada por e-mail.
Uma “carta” que tocou o rapper e o inspirou a compor uma música que se tornaria um sucesso, marcando o seu retorno aos holofotes, ao lado de Rui Michael, estrela do rock em Moçambique.
A mensagem do fã foi clara: independentemente do sucesso, continuaria a apoiar o rapper, ignorando qualquer tipo de mudança. Mas e hoje? Duas Caras voltou a mudar, e agora a metamorfose é profunda.
O rapper já não se preocupa em lançar barras; agora o foco são danças e batidas para viralizar no TikTok, Facebook e Instagram, iniciado com a sua aventura pelo estilo Afrobeat, através do som “Fala como Homem, que é assinada pela label Geobek Records.
A verdade é que a sua saída do rap já tinha sido anunciada. A metamorfose começou com Djundava, um álbum que marcou o renascimento do rapper, depois de Duditos Way, que foi o último trabalho de Duas com o teor Hip-hop.
Foi em “Duditos Way” que Duas deu os “props” a todos que o acompanharam enquanto rapper. Neste trabalho, em “Ossos no Baú”, o rapper fez uma introspecção sobre sua carreira no rap moçambicano, mas como não foi Afrobeat, não chegou a todos.
“Não sei se o próximo rei fará melhor que o rei Duas”, diz ele na música, assumindo a passagem do bastão ao próximo rapper.
Ainda neste som, Duas pede que se dê flores aos que fizeram muito pelo hip-hop nacional, com ênfase para os membros da G-Pro, grupo de rap do qual fez parte.
Se Charles tivesse que escrever uma carta hoje, inicialmente, parabenizaria o rapper por ter conseguido lançar o seu primeiro álbum, e mais tarde, Afromatic.
Faria chegar a mensagem de que o “Cu Gordo” já não está como toque de chamada, mas “Gueime” está entre as opções, pois foi essa a resposta do rap ao fã, com a explicação com A+B de cada escolha.
Quando o Karma bate à porta
Desde que se aliou ao Afrobeat, o rapper está a ser atacado de todos os lados, até por rappers que nunca se pensou que o fariam. Parece que não basta ele querer; os rappers também devem querer. Flash Enccy, por exemplo, não fugiu do legado que tem com o rap, de bater de frente, tanto que mandou um “MotherFucker” ao Duas no Festival de Hip-Hop.
Há quem diga que o rapper está apenas a ser versátil ao aliar-se ao Afrobeat, numa versão que lembra bastante Burna Boy.
A questão é uma: sem Duas Caras, o rap moçambicano fica sem rei, apenas com o príncipe Hernâni da Silva Mudanisse.
Se Charles tivesse que escrever a segunda carta, diria ao rapper que não é que os colegas não entendam a sua mudança de estilo, mas é apenas o karma a bater à porta.
Duas Caras foi um dos que se opuseram à versatilidade dos rappers nacionais, esteve entre os que não apoiavam que um rapper dançasse e fizesse Pandza, estilo que não difere tanto do Afrobeat que hoje ele abraça.
Fora a aventura no Afrobeat, o que não se sabe é se Charles concordaria com as ausências de Duas no movimento Hip-hop, concretamente o Rapódromo. Duas criou o Rapódromo e hoje, diga-se de passagem, abandonou-o, passando a responsabilidade para Allan.
Opinião
Rhodalia no Got Talent: uma denúncia da precariedade da nossa indústria musical?
A cantora moçambicana Rhodalia Silvestre conquistou o “mundo” após a sua participação numa audição no Got Talent Portugal, onde arrebatou o júri, conforme se lê no título do vídeo da sua apresentação.
Já celebramos a elevação do talento e sentimo-nos identificados, mas agora é a vez de nos questionarmos: como é que a Rhodalia participou num programa que, na sua génese, dá oportunidade a iniciantes ou talentos desconhecidos?
Há um nível ao qual não se deve descer depois de alcançado e, com Wansati, Rhodalia deu o seu impulso como não apenas mais uma voz, mas como uma cantora que representa o país. Neste sentido, fora do país, o Got Talent não devia ser o palco dela, mas, talvez, buscar por outros prémios e palcos.
Rhodalia deveria cantar num Tiny Desk
Para questões de contextualização, estamos a falar da revelação do Ngoma Moçambique 2017, melhor voz de Moçambique no Ngoma 2018 e 2022 e ainda vencedora do prémio Vibratoques da Vodacom.
Foi integrante e vocalista principal do agrupamento moçambicano Banda Azul, é dona de uma voz poderosa, única e arrebatadora, destacando-se com a canção Wansati, que dá também nome ao seu álbum de originais com 12 temas.
No seu portefólio artístico, constam projectos e colaborações com grandes artistas como Jimmy Dludlu e o falecido rapper Azagaia. Já actuou nos principais palcos, como o Cape Town Jazz Festival em 2011, Bushfire, Azgo, Lake of Stars, entre outros.
É certo que a participação de Rhodalia numa audição do Got Talent deve orgulhar-nos, mas também preocupar-nos enquanto moçambicanos. Este pode ser um grito da própria cantora, um: vocês não me ouvem.
Há que discutirmos o que leva uma voz que, pelos prémios e reconhecimento que já obteve, se submete a um palco destinado a talentos que ainda necessitam de aprovação. Podemos descobrir que estamos a brincar de cantantes, mas ainda precisamos da comunidade internacional para provarmos se somos realmente bons ou não.
Não é esta uma amostra de quão precária está a valorização dos nossos? Será o Ngoma suficiente ou há que se adicionar um “subsídio de reintegração” para continuar a suprir as necessidades do artista?
Aqui, não se tira mérito à ida da cantora ao programa. Isso é positivo e acredito que faça parte de uma estratégia por ela encontrada em meio a outros possíveis fracassos. Mas, virando a moeda, é como imaginar Adele a participar no Fama Show ou Assa Matusse a concorrer no Got Talent França.
A verdade é que, agora, só a multipremiada Rhodalia pode explicar em que estado a nossa cultura encontra-se.
Que se inicie o debate!
Opinião
Mana Cecy tem muito a aprender com Liloca
As redes sociais, palco de debates intensos e, muitas vezes, impiedosos, têm sido o terreno onde figuras públicas enfrentam os desafios da exposição. Mana Cecy, conhecida pelo seu carisma e influência, viu-se recentemente envolvida em uma onda de críticas após suas declarações e atitudes em relação às manifestações em Moçambique.
O incidente mais emblemático foi o vídeo onde, visivelmente desconfortável, relatou ter sido forçada a gritar “Povo no Poder”. Contudo, sua tentativa de esclarecer os eventos acabou por intensificar o desagrado público.
O erro de Cecy não foi apenas no posicionamento inicial de distanciamento, mas na insistência em não reconhecer sua falha com humildade. O discurso posterior, em que voltou a culpar “as pessoas erradas”, revelou uma desconexão com a sensibilidade do momento.
Em contrapartida, artistas como Liloca ensinam uma lição poderosa: o silêncio. Diante de ataques ou controvérsias, Liloca opta por manter-se reservada, concentrando-se no que sabe fazer melhor, o seu trabalho. Esse contraste expõe uma verdade dura, mas necessária: às vezes, a melhor resposta é a ausência de resposta.
A crise de Mana Cecy é um lembrete de que figuras públicas carregam a responsabilidade de entender o impacto de suas palavras e atitudes. Aprender a ouvir, aceitar críticas e, sobretudo, demonstrar empatia são ferramentas fundamentais para navegar pelas águas agitadas da opinião pública. Talvez o silêncio de Liloca não seja apenas uma escolha, mas uma estratégia de sabedoria em tempos de tempestade. Mana Cecy pode e deve aprender com isso.
Opinião
Internautas ensinam artistas a desactivar comentários
Em tempos de agitação social, ser uma figura pública e manter-se em silêncio é, para muitos, uma posição tão barulhenta quanto qualquer grito. No palco das redes sociais moçambicanas, onde as palavras ganham o peso de julgamentos e aplausos, a neutralidade tornou-se um risco e os influenciadores que evitam apoiar o povo em suas demandas urgentes sentem agora o peso desse risco.
Assim, Hot Blaze, Mr. Bow, Liloca e outros nomes de destaque na cena digital aprenderam a lidar com uma nova realidade: o medo dos comentários.
Diante da fúria dos internautas, que pressionam as figuras públicas a se posicionarem sobre a situação sociopolítica de Moçambique, a estratégia de bloquear comentários tem sido o escudo preferido. A tentativa, entretanto, pouco parece servir de proteção, pois as redes fervem em discussões, e o público encontra formas alternativas de expressar seu descontentamento seja compartilhando imagens ou criando fóruns de debate à parte, onde as vozes contrárias ao silêncio dos influenciadores se multiplicam.
Esses bloqueios de comentários revelam não apenas uma tentativa de escapar da pressão popular, mas também um sintoma de um receio profundo: o de que influenciar verdadeiramente exija, afinal, um compromisso com as causas que reverberam fora das telas.